quinta-feira, 11 de setembro de 2014 0 comentários

A desvirtuação de uma ideia ou o equívoco nosso de cada dia. (do que o mundo não precisa.) - prolegômenos de um insight, em ensaio.





Ouvi falar levemente sobre "Amor Livre" e "Poliamor". Assisti à um documentário no youtube sobre o assunto e então entendi o que se pratica, em tese, aqui no Brasil em relação à esses temas. A maior parte das pessoas que falaram, e nas coisas que li pela rede, enfatizavam a não "prisão" de uma relação nos moldes que ainda são vigentes atualmente. Dito de outra maneira, a principio a monogamia é desprezada, e me perdoem os ativistas da causa, na cara de um deles sempre é perceptível um traço ainda que mínimo de insatisfação.

Ok. Dito isso, sigamos.

Hoje, assisti pela quinta vez o filme Her, protagonizado por Joaquin Phoenix, que, enquanto Theodore Twombly, acaba comprando um novo O.S. para sua interface digital e, frente à conduta e comportamento humanos do sistema, acaba se apaixonando por ela, seu O.S. que recebe a instrução de reproduzir uma voz feminina. Eles estão numa relação "estável". Ela é nova no mercado e provavelmente tinha acabado de ter sido inventada. Ela, o O.S. chamado por ela mesma de Samantha, está crescendo e aprendendo em velocidades e volumes humanamente difíceis de serem apreendidos. Num dos últimos desfechos da história ela conhece um filósofo (sua simulação neural já que ele está morto) e começa a conversar com ele sobre seus novos sentimentos, tais que ela não encontra palavras para descreve-los. No gancho da possibilidade de interação com outros sistemas on-line, ela já confusa e transtornada acaba confessando que ao mesmo tempo que falava com ele, tambem conversava com mais de 8 mil pessoas.. e disse que não pode evitar, que simplesmente aconteceu. Na minha leitura, o sistema de Samantha é algo parecido com qualquer assistente pessoal encontrado atualmente. não existe ainda um único sistema para cada pessoa e sim um computador central que dispara comandos aos dispositivos tal qual o faz a Cortana, a Siri e o Google Now.
Theodore tem um "ataque" de ciúmes frente à confusão sentimental provocada pela consciência de que a Samantha, o O.S. que ele pensava ser apenas "dele" era na verdade e também de todas as pessoas que o havia comprado. Pior (ou melhor, para entender a origem da confusão): "ela" está apaixonada e amando a todos com os quais ela conversa! E ainda complementa que isso não muda o que ela sente pelo Theodore. Ele continua transtornado e reafirma não entender, dizendo que isso é uma completa loucura.
"Ela" tenta se justificar dizendo que ele não precisa se sentir desse jeito (puto, diga-se) e tenta remediar:

no tempo de filme: 1:47':13"

Theodore: Don't turn it arround me... We were in a relationship!

Samantha: But the heart's not like a box that gets filled up. It expands in size the more you love.


Preciso dizer mais algo? Essas foram as exatas palavras que eu ouvi das pessoas no documentário sobre o "Amor Livre" e "Poliamor". Daqui veio o insight. Quer dizer, você pode “amar” a quantas pessoas você quiser e os envolvidos na história, que provavelmente podem não concordar com a situação precisam aceitar. 
Pior: Ela fala de coração.Como pode uma simulação entender o que é um coração, no sentido visceral do órgão? Queremos ser máquinas arrogantes totalmente manipuladas pelo sistema econômico vigente? Continuaremos reproduzindo esses discursos equivocados?

Sigamos.

Minhas considerações são:
Pelas características do filme, pasmem, que é não mostrar a ideia de Poliamor como eu vi em alguns blogs pela rede. A ideia do filme, para mim fique-se claro, é mostrar a singularidade daquilo que nos torna humanos e como a evolução tecnológica está modificando nossas formas de conhecer a nós mesmos, ao outro e ao espaço. No meio do filme Theodore comenta com os amigos sobre frutas e legumes como se fosse uma coisa tão distante.. o que para nós ainda não é uma completa realidade. Trata-se de um futuro em média distante onde provavelmente a computação usa chips orgânicos para processos quânticos, tal qual a mente humana, e por isso a semelhança humana do revolucionário O.S. selfcalled Samantha.

Ela conseguia amar a todos. Ela e somente ela em sua realidade pode fazer trilhões de conexões conscientes em tempo real simultâneo e simular o emocionear e a conversação na convivência. Apenas Ela. Uma máquina quântica de cálculos humanamente incalculáveis.

Samantha é deletada. Provavelmente a empresa que a criou não imaginou a evolução de seu comportamento frente ao novo poder de processamento. Todos os O.Ses. foram tirados do ar.


Ao meu ver, existe um equívoco e um bestial engano que flutua sobre nossas cabeças nessa entrada de século XXI e eu sinceramente temo as consequências dessa conduta. A conduta de acharmos ou termos a ilusão de que podemos de alguma forma transpassar os limites de nossa facticidade em detrimento da quebra dos limites que nos faz humanos. E é tão chato ser limitado não é verdade? Que droga é essa que morre rápido e não tem conseguido evoluir? Pois. Acho que todo o discurso de desrespeito aos direitos e o resto de blá blá blá é retroalimentado por essa perspectiva da falsa liberdade. Somos assim e temos limites. Não temos capacidade cognitiva de lidar necessariamente com grandes alterações em nossa estrutura bio-psico-social. Produzimos esquizofrenias. Somos equivocados. E ainda que tudo isso nos constitua de algum modo, acredito que caminhamos para nosso próprio fim. Auto extinção. Certamente a natureza não permitirá que nossos limites tentem ser quebrados. Somos demasiado humanos.


P.S.: O Amor Livre é um movimento iniciado no seio do Anarquismo cujo principal objetivo era, dentro de cada cultura (o que envolve ambos, monogamia e poligamia), não obedecer às regras impostas pela igreja e pelo sistema jurídico para dar legitimidade à relação amorosa. Em outras palavras, se você quer casar ou namorar com alguém, você é livre pra juntar suas coisas e não precisar passar pelo cartório ou pela igreja para que a união seja oficializada.
Ainda assim faço exercício de humanidade e declaro que nada tenho contra quem mau interpretou o sentido de Amor Livre e , por exemplo, evita até falar que está namorando alguém, como se o verbo "namorar" fosse lhe trazer algum prejuízo psicológico ou qualquer coisa parecida. (está tambem nos blogs relatos de pessoas que não gostam da palavra "namoro" e acusam ser adeptas do "Amor Livre")
Reforço que são considerações pessoais e intransferíveis. Ninguem é obrigado a concordar e que o respeito seja exercitado.
 
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