segunda-feira, 12 de janeiro de 2015 0 comentários

Prolegômenos de carmim


Para de olhar aí do vidro, menino,
e desce aqui!
Garoto mimado...
Aqui a terra é vermelha
e o sangue não comove
quando escorre por entre os dedos
que seguram a ferida aberta pela retórica do tempo.

Esse sangue, vermelho,
tem o chão como sina
e antes que possa imaginar a descida,
é sugado pelas raízes
que apodrecem as almas agonizantes
das bandas de cá.

Pára de banhar essa janela de lágrimas
e desce aqui, já!
Vem ver de perto onde jaz a esperança,
que de desgosto fez chover sobre estes solos
águas póstumas de outrora num penoso amargor.

Pobre criança introvertida
que nada sabe sobre as coisas em mistério
que alegam à própria vida,
e quando não sente não entende o porquê.


- Calma aí dona menina.
É fato que há alguns dias
não consigo sentir qualquer coisa
que me arranque um esboço do sorrir.
Mas é justo tingir de carmim-sangue
meus pés que me suportaram bravamente até aqui?


Não sentes tu porque não queres entender
que pisar ou não pisar onde jaz as coisas vivas ou verdes,
com a cor claramente, e de uma vez por todas,
nada tem a ver.

Vermelho, sangue ou carmim,
cinzento como a alma de alguns
ou até breu como o que nem sei o que,
sempre olham muito lá de cima
e se recusam a descer.

Por isso e por outros motivos
que não lhe são dignos, insisto: desce!
Talvez aqui de baixo, comungando com seus iguais,
consigas entender o que lhe custa,
o que te faz dessa maneira permanecer.

- Mas quanta injustiça, dona menina!
Nem mesmo eu tenho entendido o porquê
ou qual o motivo de tamanha indignação!
Ou quem sabe não queira eu reconhecer
que depois de algum tempo as coisas mudam de lugar
 e os lugares mudam de coisa
e as pessoas deixam de estar vivas
sucumbido ao chamado das cores chamadas ao chão,
que agora, muitas, nos confundem

e nos seduzem ao lamento ingrato de uma perdida paixão.
 
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